Por Regina Galvão

A instigante cadeira tt39 foi a primeira peça de Thiago Antonelli que eu publiquei no Jornal de Casa, seção de novidades do mercado de design e decoração da revista Casa Claudia, na qual fui editora por 14 anos. Na época, o designer carioca comandava duas empreitadas: a t+t, projeto de mobiliário com o dinamarquês Thomas Mach, e a Jabuticasa, fabricante de móveis fundada com Thélvyo Veiga. Os exemplares de ambas as empresas traziam uma combinação promissora: desenho limpo e exímia marcenaria. Características, aliás, que marcariam essa trajetória. Anos mais tarde, voltei a falar com Thiago para uma longa matéria publicada no site Boobam. Em 2016, a t+t já havia se transformado em uma série de produtos da Jabuticasa. 

Eis que, neste ano pandêmico, Thiago retoma o contato comigo, contando que gostaria de comemorar os dez anos de sua cadeira mais emblemática, a tt39 – com aproximadamente 2010 itens vendidos. Criada por ele e por Thomas Mach em 2010 e lançada um ano depois, a cadeira, que mistura elementos cariocas e escandinavos, caiu no gosto de renomados arquitetos e ganhou ainda mais relevância ao ser especificada para a sede do Mercado Livre. Para essa celebração, combinamos a entrevista que você lerá a seguir. Thiago falou de seu estúdio no Rio de Janeiro e Thomas, da Dinamarca, durante uma viagem de férias com a família. Compartilho com vocês os depoimentos de Thiago e Thomas, ambos alunos do mestrado no Umea Instituto de Design, na Suécia, que se tornaram parceiros e amigos.

 

Thomas Mach e Thiago Antonelli

 

Por que vocês decidiram comemorar os dez anos da tt39?

Thiago – Em um mercado tão competitivo como o nosso, um produto que consegue perdurar dez anos demonstra relevância. Ele alcançou e conquistou o espaço dele. Isso já é motivo para ser celebrado. Sem contar que dez é um número emblemático, com os 10 primeiros números (0 a 9) podemos representar todos os outros números e todas as operações numéricas possíveis, ou seja 10 é a base da matemática.

Como foi o começo da parceria Thiago + Thomas?

Thomas – Depois que finalizamos o mestrado na Suécia, Thiago e eu continuamos em contato e surgiu a oportunidade de colaboração mútua. Foi estimulante pensar em uma parceria com alguém do outro lado do planeta. Nós não tínhamos trabalhado em projetos conjuntos no mestrado, mas éramos muito próximos, foi uma amizade que se estabeleceu.

 

Jabuticasa | Cadeira tt39

Cadeira tt39

 

Como foi a criação da peça?

Thiago – A t+t é um projeto curioso, começou com um e-mail. Eu tinha um projeto de mobiliário para um cliente, e achei oportuno entrar em contato com Thomas, meu colega de mestrado na Suécia. Nossa relação estava fresca, e ele também tinha interesse por desenhar móveis. Deveria ser um projeto rápido, mas isso não aconteceu. Thomas encarou esse desafio com outra cabeça e, daí, começou a ficar nítido, para mim, dois estilos e dois tempos de projetar. Isso, aliás, fala um pouco das duas culturas: a do carioca e a do dinamarquês. 

Thomas – Nesse processo de desenhar peças a dois, tentamos achar uma linguagem em comum. Lembro de Thiago dizendo que deveríamos criar peças que gostaríamos de ter em nossas casas. É claro que deveria ser também um móvel comercial, mas o mais importante era pensar em algo que as pessoas teriam em suas salas. Nós dois, aliás, temos a tt39 em nossas casas.

 

Processo de criação da cadeira tt39

Processo de criação da cadeira tt39

 

Como você definiria esses estilos (carioca e escandinavo)?

Thiago – O carioca é imediatista e passional, quer resolver tudo na hora. Os escandinavos que conheci me pareciam muito racionais e reflexivos e não embarcavam facilmente na primeira solução para resolver uma questão. Muitas vezes questionando o problema em si. 

E sua percepção do mobiliário brasileiro, Thomas?

Thomas – Nessa experiência foi fascinante confrontar nossas referências. Aqui, na Dinamarca, há muito pinheiro e, no Brasil, todo tipo de árvore e madeira. Priorizamos luminosidade e cores claras. Thiago me apresentou superfícies de tonalidades amarronzadas. Acredito que isso deva estar no DNA do design brasileiro, de querer usar madeiras mais escuras.

 

Jabuticasa | Cadeira tt39 em Tauari e em Freijó (estofada)

Cadeira tt39 em Tauari e em Freijó (estofada)

 

Conte sobre o processo de desenvolvimento.

Thiago – Eu já gostava do primeiro desenho, mas o processo parava no Thomas, e isso gerava uma grande ansiedade em mim. O maior aprendizado que eu levei dessa experiência para a Jabuticasa foi a depuração do desenho. Eu dava uma chacoalhada nas ideias e o Thomas esperava decantar, ele via o desenho e fazia uma reflexão. Foi algo sem fim, e chegou um momento em que desistimos do cronograma, e o cliente precisou entender. É por isso, aliás, que a cadeira tem esse nome, tt39, porque tivemos 39 momentos antes de ela ser concluída. O estilo de projetar foi muito diferente. A tt39 não segue uma linearidade, não se parece com os outros 38 conceitos anteriores.

Como foi a escolha do material? 

Thomas – A escolha pela madeira foi natural para ambos. Começo meu processo criativo pelos materiais, explorando seus limites e suas características. Nesse caso, a madeira representava aconchego, além de oferecer enorme capacidade de manuseio. É um material de alta durabilidade, dependendo do design.

 

Jabuticasa | Cadeira tt39 em freijó

Cadeira tt39 em freijó

 

Quando vocês chegaram finalmente a esse consenso?

Thiago – Lembro que recebi o desenho final por e-mail. Eu estava em Curitiba, com o grupo DeQuinta, éramos três designers que se reuniam às quintas-feiras e elaborávamos projetos, tínhamos ideias e desenhávamos. Estávamos no Paraná, oferecendo desenho de mobiliário para algumas empresas, a Meu Móvel de Madeira fechou contrato com a gente. Nessa ocasião, eu estava com o designer Marcelo Damm e recebi esse e-mail do Thomas, era um printscreen de um 3D. Quando vi a imagem, eu disse: “Caraca! O que é isso? Totalmente diferente do que estávamos fazendo”. Mostrei para o Marcelo e ele gostou. Daí, começaram os desafios: o modelo tinha só um ponto de conexão e o encosto era curvo, achei impossível realizá-la. Não tinha fabricante no Rio de Janeiro para fazer aquilo, sem falar do assento curvo que encareceria a peça. 

O que o fez acreditar que o 39 era o modelo ideal? 

Thiago – Eu poderia ter parado muito antes, Thomas ficou convencido na versão 39. Se não estivesse, teria feito mais. Essa foi a maior lição que eu aprendi desse período: o questionamento eterno, questionando o desenho o tempo todo. Na faculdade, você tem de fazer 100 desenhos, 500 desenhos, você senta e faz. É muito diferente passar o ano inteiro pensando em uma única cadeira. E a prova de que a gente levou isso para a nossa cultura do desenho é a cadeira AL13. Levamos quase três anos até ela ser concluída, há projetos mais rápidos, mas dificilmente o projeto sai sem questionamento. E a ansiedade agora está no Thélvyo, ele quer que a coisa saia rápido e eu apuro o desenho. Esse é o legado que a t+t deixou na Jabuticasa: questionar, refinar, decantar e isso leva tempo, então, esse foi um aprendizado que o Thomas nos deixou.

 

Jabuticasa | Cadeira tt39

Cadeira tt39

 

O modelo tem bossa carioca com desenho escandinavo?

Thiago – Eu nunca falei isso, esse conceito veio da mídia, porque o briefing falava de leveza, amplitude, personalidade, espaços abertos, silêncio e calma. Eu estava cursando Iyengar Yoga, em Embu das Artes, e estava nesse sentimento de serenidade e calma. Nada de bossa carioca ou design escandinavo, mas essa definição foi interessante e despertou o interesse nas pessoas. Vejo a cadeira com leveza e equilíbrio, já o Thomas defendeu, na época, que a cadeira fosse sólida e lúdica. 

Bom, mas o que você identificaria como carioca e escandinavo nesse modelo. Saberia fazer essa comparação?

Thiago – Deixa eu pensar… Sim, eu consigo. Nos desenhos europeus, o diâmetro dos pés não passa de 3,5 cm, e a nossa tem 4,5 cm. Nosso desenho tende a ser mais robusto e, se fosse pelo Thomas, o pé seria ainda mais fino. Por várias razões não fizemos, não acho bonita essa perna fina que parece quebrar. E, se você pensar, a brasileira tem perna grossa. Já o desenho escandinavo tem essa concha como característica, e tem também o Lego, que é uma empresa dinamarquesa. O bloco central da cadeira remete ao brinquedo, essa é a parte lúdica.

 

Cadeira tt39

Cadeira tt39

 

Como foi a aceitação da peça no mercado? 

Thiago – Foi muito difícil. Em 2011, quando a lançamos, eu tive de ir de loja em loja, e muitos lojistas queriam exclusividade na linha. Eu sou de uma família de empresários, meu pai, italiano, veio com 23 anos para o Brasil depois da guerra e prosperou porque tem esse tino. Ele sempre me deu dicas, e me orientou a não dar exclusividade a ninguém. Uma marca quis produzir nossa linha e dar royalties para nós, mas não aceitamos. Quem topou fazer a parceria de forma mais tranquila foi o Márcio, da 021, que estudou comigo e com o Thélvyo na PUC. Começamos com ele, e daí pintaram algumas matérias em revistas. Em São Paulo, fechamos acordo com a Mixtape. Infelizmente as duas marcas não vingaram e só começamos mesmo a conquistar nosso espaço com as redes sociais, foi assim que pudemos mostrar melhor nosso trabalho. 

O que mais ajudou a cadeira a se tornar bem-sucedida? 

Thiago – Ela teve uma recepção muito boa da mídia, por causa da história da t+t, e pelos produtos diferentes e bonitos. A cadeira era diferente e ganhou as páginas das revistas. Teve o anuário da Wishcasa e o Paulo Jacobsen falou da gente, depois a Bel Lobo citou nosso trabalho na revista Bamboo. Começamos a andar com nossas próprias pernas, com venda direta vinda pelas redes sociais, pelas revistas e pelo site. Vendemos duas banquetas para o CEO do Mercado Livre, mas não sabíamos que era para ele. Depois, durante o projeto da sede do Mercado Livre, ele pediu para a arquiteta incluir as cadeiras e outras peças na especificação do mobiliário. Essa venda “fez” a Jabuticasa, porque pudemos investir em maquinário para a fábrica e no site. 

Foi a partir do Mercado Livre que começou a produção seriada da Jabuticasa?

Thiago – Então, a venda no Mercado Livre foi um marco para darmos mais atenção ao corporativo. Tínhamos feito vendas para um restaurante no Shopping Cidade Jardim e para um hotel projetado pelo Jacobsen. E a venda de várias peças para a sede do Mercado Livre chamou a atenção de outros escritórios de arquitetura corporativa, como o Athié Wohnrath e Pitá Arquitetura. Tivemos esse modelo de venda durante muito tempo, mas, com a pandemia, migramos para a loja on-line e para o marketing digital.

 

Restaurante Melifood, dentro da Melicidadea, cidade-sede do Mercado Livre

Restaurante Melifood, dentro da Melicidadea, cidade-sede do Mercado Livre

 

Quando vocês lançaram a cadeira quais foram os retornos que tiveram sobre ela?

Thiago – A gente vendia para os lojistas e não recebia retorno. Foi só com a venda direta que começamos a ter esse feedback. A arquiteta Bel Lobo colocou a cadeira no programa Decora e no Espaço para Dois, do GNT. Quando fui ao escritório dela, a Bel me contou que só conseguia especificar a nossa cadeira. Ela sempre deu um retorno muito positivo para nós. Atribuo isso ao fato de a peça ser diferente, fácil de combinar em qualquer ambiente. O Jacobsen também apontou vários pontos positivos nela, pois, em 2011, época do lançamento, o mercado era outro, era difícil achar um móvel limpo. Ele prezava pelo lado mais escandinavo menos extravagante. A Bel Lobo gostava da personalidade marcante da peça.

 

Café CasaCor, realizado no Edificio Aqwa Corporate no Rio de Janeiro em 2017

Café CasaCor, realizado no Edificio Aqwa Corporate no Rio de Janeiro em 2017

 

Há a chance de a tt39 desembarcar em solo Europeu?

Thomas – É incrível pensar que tt39 ainda está sendo vendida no Brasil com grande sucesso. Eu adoraria vendê-la na Dinamarca… isso seria maravilhoso! Esse é um produto que poderia estar em vários lugares, não sei dizer se teria o mesmo sucesso por aqui, mas seu desenho ‘amigável’ já me parece um bom caminho. É uma peça bonita, mas foi difícil desenhá-la, porque eu acredito que o design precisa ser relevante, já há muitas peças por aí, era preciso criar algo que expressasse o que gostaríamos de possuir, essa foi minha principal motivação.